Comece a entender a Taxonomia de Bloom e sua importância para os processos de ensino, aprendizagem e avaliação

Rafael Moraes
9 min readAug 27, 2021

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O que é a taxonomia de Bloom?

A taxonomia é uma classificação de diferentes objetivos/habilidades que educadores utilizam para auxiliar a si mesmos e a seus estudantes no processo de ensino-aprendizado. A taxonomia de domínios cognitivos foi proposta em 1956 por Benjamin Bloom, que era um psicólogo educacional da Universidade de Chicago. A hierarquia original foi revisada em 2001, e está estruturada em 6 níveis hierárquicos* de aprendizado. Esses níveis podem ser usados para estruturar objetivos de ensino, aprendizado e avaliações:

Nível 6 — Criar (Synthesis)
Nível 5 — Avaliar (Evaluation)
Nível 4 — Analisar (Analysis)
Nível 3 — Aplicar (Application)
Nível 2 — Compreender (Comprehension)
Nível 1 — Memorizar (Knowledge)

*Apesar da hierarquia presumir que os níveis superiores são dependentes dos inferiores, com os níveis inferiores sendo pré-requisitos dos superiores. Existe alguma contestação sobre a hierarquia dos três últimos níveis, discutindo-se se: I. não seriam intercambiáveis entre si ou; II. não haveria hierarquia entre eles.

  1. Nível 1, memorizar. É o mais simples. Aqui estamos preocupados com o resgate de informações a partir da memória de longo prazo. É sobre adquirir novas informações e torná-las parte do nosso conhecimento, para que se possa resgatá-las quando necessário posteriormente.
  2. Nível 2, compreender. Trata de entender o que sabemos, construindo significado a partir da oralidade, ou escrita. Então, por exemplo, podemos ser capazes de lembrar a definição de uma palavra, mas isso não significa necessariamente que entendemos essa definição ou como a palavra poderia ser usada no contexto de várias frases diferentes. A compreensão centra-se na capacidade dos alunos de demonstrar entendimento sobre os fatos que sabem (dos quais podem lembrar).
  3. Nível 3, aplicação. Aqui o foco é como um estudante usa as informações que conhece e compreende para aplicá-las em um novo — ou às vezes familiar — contexto. O objetivo é usar as fundações estabelecidas para lidar com coisas nos cenários apresentados. Na sala de aula, isso geralmente envolve os estudantes respondendo questões ou resolvendo problemas uma vez que tenham se apropriado da compreensão de um determinado assunto.
  4. Nível 4, análise. É um passo adiante. Envolve a capacidade de dividir o que foi apresentado de maneira a mostrar relações, causas, consequências, conexões e modos de trabalho. Para ser possível analisar algo, antes é necessário ser capaz de aplicar algo que memorizamos e compreendemos. Se não possuirmos domínio disso — ao menos em algum nível — será difícil analisar eficientemente o que é apresentado.
  5. Nível 5, avaliação. Estar apto a avaliar, julgar ou ranquear uma série de itens. Para isso precisamos conhecer o que são as coisas em questão, compreender nosso próprio entendimento delas, ser capazes de aplicar isso a diferentes situações, ser capazes de analisar a natureza daquilo que está em questão e, fazer isso de uma forma bem-sucedida. Somente com este pré-requisito de compreensão e análise seremos capazes de fornecer um julgamento — com suas nuances — de maneira eficiente. Ou, dito de outra forma, com um domínio pleno.
  6. Nível 6, criação. Aqui falamos da criação de algo novo. Pode ser algo inteiramente novo ou desenvolvido a partir de algo já existente. Nesse sentido, essa categoria cobre uma ampla gama de processos cognitivos. No contexto da análise, o desenvolvimento intelectual aqui decorre do fato de que um aluno precisa ser capaz de analisar efetivamente a estrutura e composição de um dado item se quiser criar algo que reflita esse dado, utilize-o ou vá além dele. Assim, vemos a característica central de todos os atos cognitivos de base-criacional: o movimento do que é, para o que poderia ser.

Por que a taxonomia — publicada em 1956 — permanece em uso até hoje?

Sob minha perspectiva por duas razões fundamentais: porque é uma ideia amplamente difundida e; porque demonstrou alta flexibilidade, aplicabilidade e eficácia, mesmo ao ser exaustivamente testada ao longo dos últimos 65 anos*. A revisão proposta por Anderson & Krathwohl em 2001 (ver referências), não trouxe mudanças significativas aos fundamentos originais. Numa sociedade substancialmente diferente da década de 50 — na era do trabalhador do conhecimento (knowledge worker) — a taxonomia é aplicada com sucesso em áreas do conhecimento — entre diferentes faixas etárias — e que sequer podiam ser imaginadas quando na época de sua publicação. As competências curriculares descritas nos documentos dos cursos costumam ser vagas, causando confusão e ineficiência. Assim a taxonomia ajuda a melhor definir e guiar as competências curriculares que desejamos construir junto aos alunos.

*Efeito Lindy, ou como “espera-se que o velho viva mais tempo do que o novo”. Como a taxonomia sobreviveu aos testes do tempo por quase sete décadas, espera-se que ela dure ainda mais tempo, assim como podemos ter mais certeza de fazer essa afirmação. As coisas que sobrevivem devem ser úteis para servir a algum propósito (ainda que oculto) que o tempo consegue perceber mas que os nossos olhos e faculdades lógicas são incapazes de captar.

Além disso, a taxonomia não é uma teoria de gabinete. Portanto, não é uma teoria idealista onde tenta-se encaixar a realidade, mas o contrário: uma estrutura lógica do que é observável na realidade da nossa biologia cognitiva. Nós naturalmente iniciamos nosso processo de aprendizagem através da memorização[1] de fatos e conceitos, para só em seguida podermos formular uma compreensão[2] sobre como eles se relacionam, para então podermos começar a aplicar[3] isso de alguma forma, como na resolução de um problema por exemplo. E quanto mais essa tríade de habilidades estiver consolidada, mais segurança e precisão teremos em analisar[4], avaliar[5] e criar[6] em cima desse conhecimento.

Como a Taxonomia de Bloom pode auxiliar no planejamento do curso?

Em primeiro lugar ajudando o(a) professor(a) a entender em que nível da pirâmide os estudantes estão. Assim as aulas serão projetadas de acordo com o enfoque do curso & conforme a base de aprendizado que os estudantes já possuem. Um professor(a) que não faz uso da taxonomia de Bloom pode estar ignorando uma estratégia de ensino que leve em consideração um crescente nível de dificuldade.

  1. Se o que precisa ser ensinado está na categoria de “curso introdutório”, o objetivo será majoritariamente focado nos primeiros níveis da pirâmide — [1] memorizar & [2] compreender — e eventualmente os objetivos de ensino-aprendizagem irão desafiar os estudantes com os níveis [3] aplicar & [4] analisar. Forçar os estudantes aos níveis mais altos nesse momento pode levar a frustração, evasão, ou ainda a resultados muitos pobres pela falta de habilidades básicas.
  2. Se o curso está colocado para estudantes avançados — com graduação por exemplo — os primeiros 2 níveis não precisam ser trabalhados exceto quando estiverem sendo apresentados novos conceitos ou numa atividade que visa especificamente abordar uma revisão de conteúdos. De uma forma geral esse curso deve estar majoritariamente focado nos níveis mais altos da pirâmide, do contrário poderá levar seus estudantes ao tédio e a apatia.

Perceba portanto que é interessante manter os estudantes desafiados para irem até os limites das suas habilidades atuais, mas com o cuidado de não empurrá-los para a frustração ou o tédio. Isso acarretará erros? Sim.

Os acertos na aprendizagem são uma longa e tediosa estrada reta, nada dizem sobre a viagem. É nas curvas dos erros onde surge a adrenalina das grandes oportunidades de aprendizagem. É na superação dos desafios e na resposta do “por que deu errado?” que nossa história ganha cor.

É no erro que avaliamos o que sabemos — ou achamos que sabemos. Corrigindo e suplementando conhecimento para criar e aplicar (testar) novas hipóteses.

Perceba a importância fundamental que reside na capacidade de termos um ambiente e uma mentalidade onde o erro é encorajado e interpretado como a parte essencial para dominar o conhecimento.

Uma falha só é uma falha se decidimos não tomar nenhuma ação de aprendizagem para corrigi-la.

“Eu não falhei. Apenas encontrei 10.000 formas diferentes de fazer não funcionar.”
Benjamin Franklin, inventor da lâmpada

Delimitando mais claramente as categorias:

baixe a tabela em aqui!

Perceba que alguns verbos-chave poderiam ser inseridos em mais de uma categoria, e não há problemas nisso. Nossas definições irão variar um pouco e isso reflete tanto a nossa subjetividade como a natureza difusa da maneira como pensamos. A variedade dos “sinônimos” em cada categoria visa nos dar “mais ferramentas” para permitir uma melhor compreensão e flexibilidade na formulação das atividades de ensino-aprendizagem e avaliativas.

Dito isso, é importante que você reflita sobre as nuances ao diferenciar as palavras, como “classificar” e “hierarquizar”, ou “comparar” e “diferenciar”. Nesse último exemplo, enquanto “comparar” pode dar ênfase as similaridades, “diferenciar” enfatiza as não similaridades.

Esses verbos-chave irão nos auxiliar a tornar nossos objetivos de aprendizagem mais mensuráveis, inclusive nos induzindo a evitar o uso de palavras que não podem ser quantificadas, como aprender, entender e gostar. Eles também nos induzem a alinhar/ancorar os processos avaliativos (atividades, projetos e exames) com nossos objetivos de aprendizagem. Assim, quando você registra — por exemplo — que o objetivo de aprendizagem no nível de aplicação será “implementar”, você deixa mais claro que isso é uma habilidade diferente do que poderia ser avaliado num simples teste de múltipla escolha.

Recomenda-se que cada aula/tópico tenha objetivos de aprendizagem bem definidos dentro da hierarquia da taxonomia, e que cada um desses objetivos esteja associado a um verbo-chave. As avaliações devem estar em alinhamento com esses objetivos, e ao final, o cumprimento dos objetivos de aprendizagem somados devem se integrar para desenvolver os objetivos gerais de aprendizagem do curso/disciplina, que são 3–5 objetivos mais amplos e difíceis de se categorizar na hierarquia. É um funcionamento similar a como os “objetivos específicos” contribuem para o “objetivo geral” dentro de um projeto de pesquisa, com a diferença de que são as avaliações que determinam de uma forma mais clara se esses “objetivos específicos” estão sendo atingidos — ou não — no caminho para a construção do “objetivo geral” do curso. Esse conjunto forma uma bússola de aprendizagem para que o estudante possa ter um autodiagnostico claro do processo, e o professor possa observar quais são os elos onde o aprendizado ficou mais fragilizado e avaliar um possível reforço de ensino ou mudança metodológica.

Passo-a-passo resumido para objetivos de aprendizagem eficientes:

  1. Associar cada objetivo com um verbo-chave.
  2. Se cada objetivo só estiver associado a um verbo-chave, fica mais claro entender se o objetivo foi — ou não — atingido. Caso se faça uso de mais de um verbo, e o estudante sucedeu em um deles, mas não no outro, como definir se ele atingiu o objetivo?
  3. Mantenha os objetivos em ordem crescente na taxonomia (níveis mais baixos são pré-requisitos para que se atinjam níveis mais altos), e condizentes com o público-alvo a quem se destinam. Lembre-se que cada nível funciona como as fundações para a construção dos níveis superiores, exatamente como construímos prédios.
  4. Esforce-se para manter todos os objetivos de aprendizagem mensuráveis, claros e sucintos.

Eu sei, eu sei. Muitos professores não gostam de mudanças, certo? Afinal, para que consertar uma máquina que está funcionando?

“Uma vez que a pessoa entende o âmago da habilidade, vê como a habilidade precisa ser avaliada. Uma vez que alguém vê como as habilidades precisam ser avaliadas, de repente percebe-se que muitas … de … suas atribuições atuais… na verdade … não medem … essa habilidade. Ah … aí está o problema. Pânico. É hora de voltar ao quadro negro. Significa desmontar algumas de suas máquinas. Significa comprar um novo modelo. Significa trabalho. Trabalho duro. Isso é assustador. Eu entendo.”
Shannon Schinkel

Você não precisa jogar tudo pela janela (embora eu tenha jogado algumas).
Você não precisa começar trabalhando a taxonomia de Bloom em toda a ementa da disciplina/curso.

Comece tentando aplicar no planejamento de ensino e avaliações de um determinado tópico ou bimestre, observe os resultados, tome nota do que funcionou, aperfeiçoe, experimente! Os estudantes valem a esforço! Pode ser um enorme crescimento não apenas das habilidades deles, mas também das nossas.

No futuro escreverei com um pouco mais de profundidade sobre cada uma das camadas, dando exemplos de como aplicá-las. Até lá!

“Mudanças são difíceis no começo, complicadas no meio, e espetaculares no final.”
Robin Sharma

Referências:

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