Por que errar é fundamental para o crescimento nos estudos e na vida?
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Quem nunca teve medo de parecer estúpido?
Eu sei. Se sentir estúpido não é algo bacana. É uma agressão ao nosso ego, principalmente quando existe uma exposição pública envolvida. Mas e se — paradoxalmente — a maneira mais efetiva de crescer em conhecimentos e habilidades seja estar disposto a passar pela dor emocional de ser — ainda que brevemente — estúpido?
Eu já vi isso nos filmes da Marvel…
Alguém que é completamente comum é exposto a um evento excepcional e irreplicável, e isso dá a ela poderes extraordinários (e grandes responsabilidades). Ou ainda, alguém que simplesmente nasceu superpoderosa e veio de outro planeta para a Terra onde pode praticar seus talentos inatos e proteger as pessoas comuns com seus poderes sobre-humanos.
Uma ideia sugerida pelo escritor Malcolm Gladwell é que as pessoas dão mais valor aos dotes naturais do que à capacidade adquirida pelo esforço. Vivemos uma era onde, paradoxalmente, as pessoas tendem a acreditar no mérito individual e no autoaperfeiçoamento, mas no fundo reverenciam mais o talento nato (como super-heróis privilegiados pela genética). A idolatria de pessoas que simplesmente nasceram extraordinariamente diferentes.
Mas você já viu uma pessoa sarada e pensou: “Nossa, essa pessoa nasceu muito musculosa! Queria ter nascido assim!”?
Possivelmente ninguém costuma fazer esse raciocínio. Talvez porque a dotação física seja algo mais tangível do que a dotação intelectual. Ao vermos uma pessoa sarada, a tendência natural é imaginarmos que essa pessoa deve levar uma dura rotina de alimentação e exercícios. Ainda que existam pessoas com diferentes propensões físicas, há uma relação mais clara — no imaginário popular — entre resultado e esforço.
Agora, de volta ao mundo real…
Nós todos possuímos talentos. E todos possuímos dúvidas sobre qual a melhor maneira de desenvolver esses potenciais. E foi me questionando muito sobre essas coisas que me deparei com a autora Carol S. Dweck. E ela formulou algo que fez total sentido para mim. As pessoas se caracterizam por duas mentalidades (mindsets):
Características das pessoas com mindset fixo:
- Estão sempre em busca de uma confirmação da sua inteligência.
- Têm urgência para serem bem-sucedidos.
- Temem o desafio e desvalorizam o esforço.
- Têm crença em qualidades imutáveis.
- Preferem relacionar-se com pessoas que homologam suas qualidades permanentes.
- Sentem-se inteligentes quando fazem algo com facilidade ou perfeição.
Características das pessoas com mindset de crescimento:
- São movidas pela experiência da descoberta nos desafios que as permitem prosperar.
- São orientadas ao aprendizado como prioridade, compromisso em desenvolver-se.
- Têm crença de que suas qualidades são suscetíveis de serem cultivadas.
- Buscam a perseverância e antifragilidade.
- Preferem relacionar-se com pessoas que a estimulam a novos desafios.
- Sentem-se inteligentes quando fazem algo que não eram capazes de fazer antes.
- Entendem que vir a ser, é melhor do que ser.
Que tipo de pessoa é você na fila do pão?
Pessoa A
- Sua inteligência é algo muito pessoal, e você não pode transformá-la demais.
- Você é capaz de aprender coisas novas, mas, na verdade, não pode mudar seu nível de inteligência.
- Você é certo tipo de pessoa, e não há muito o que se possa fazer para mudar esse fato.
- Você pode fazer as coisas de maneira diferente, mas a essência daquilo que você é não pode ser realmente modificada.
Pessoa B
- Sua inteligência é algo muito pessoal, mas você sempre pode transformá-la demais.
- Você é capaz de aprender coisas novas, e, na verdade, sempre pode mudar seu nível de inteligência.
- Você é certo tipo de pessoa, mas sempre há muito o que se possa fazer para mudar esse fato.
- Você pode fazer as coisas de maneira diferente, e a essência daquilo que você é sempre pode ser realmente modificada.
“Você tem uma escolha. Os mindsets nada mais são do que crenças. São crenças poderosas, mas são apenas algo que está em sua mente, e você pode mudar sua mente”
- Carol S. Dweck
Quando você se sente inteligente: quando é perfeito ou quando está aprendendo?
Pessoas com o mindset fixo tendem a atribuir a culpa a fatores externos depois de um fracasso, seja alguém, algum evento, ou mesmo ao simples azar. Terceirizam o protagonismo a fatores que estão completamente fora do seu controle. E ironicamente, é na negação dos próprios erros que deixamos de crescer com eles.
Pessoas com o mindset de crescimento acreditam que o fracasso é indicativo para: tentar com mais esforço e/ou tentar com novas estratégias. Entendem que o resultado está majoritariamente ao alcance das coisas que estão totalmente — ou pelo menos parcialmente — sob o seu controle. Veem fracasso (ou erros) como a mais rica fonte de informação de que se pode dispor para o aperfeiçoamento dos processos que levam ao sucesso. O sucesso, portanto, está na jornada do aprendizado e aperfeiçoamento — algo que está sob o seu completo controle — e não no resultado final em si.
É claro que o mundo não é maniqueísta, apenas preto e branco. Pessoas podem ter diferentes mindsets para diferentes contextos, acreditando mais na sua capacidade de crescimento em alguns contextos do que em outros. A mensagem aqui não é a de que qualquer pessoa pode fazer qualquer coisa. Mas é necessário concordar que as pessoas são capazes de ir muito além do que elas podem imaginar, uma vez que ainda não colocaram seus limites à prova (submissão ao risco de errar).
Você já notou o quão comum é determinarmos um intervalo de tempo que indicará se conseguirmos ou não ser bem sucedidos no que estamos buscando? Ou seja, o tempo é fixo (possui uma data limite), enquanto o sucesso é variável (dar certo ou não). Mas nós deveríamos sempre imaginar o contrário, de que o sucesso acontecerá, e o que irá variar para cada um é a quantidade de tempo que pode levar para atingir o objetivo. E geralmente é um tempo muito menor do que imaginamos quando estamos nos expondo constantemente ao limite pela dupla testagem & erro.
O mundo não se divide entre sucessos e fracassos, mas entre quem cresce nos erros, e quem não cresce. Só podemos chamar de perdedor alguém incapaz de refletir e tirar proveito dos seus erros. Pessoas que preferem se constranger, vitimizar, terceirizando a culpa — e com ela, o protagonismo — e permanecer em defensiva, não se aperfeiçoando.
“Muitas dos fracassos na vida vêm de pessoas que não perceberam o quão próximas estavam de bem-sucederem quando elas desistiram”
- Thomas Edison
Obrigado, erros
Os conceitos de mindset de crescimento, a antifragilidade, e nosso modo de aprender através dos erros estão intrinsecamente relacionados. Eis a frase que abre o livro Antifrágil, de Nassim Nicholas Taleb:
“O vento apaga a vela e energiza o fogo. E o mesmo vale para a incerteza, o caos, os erros: você quer usá-los, não se esquivar deles”
Reparem a definição do autor para o termo:
“Algumas coisas se beneficiam com os impactos: elas prosperam e crescem quando são expostas à volatilidade, à aleatoriedade, à desordem, ao estresse, e adoram a aventura, o risco e a incerteza. Na falta de uma palavra para nomear o oposto exato de frágil, vamos chamá-la de antifrágil.”
A antifragilidade é a condição de todos os sistemas naturais (e complexos), como nossas faculdades cognitivas. Faz parte — portanto — do nosso aparato biológico. Assim como um corpo privado de exercícios resulta em atrofia muscular, privar nosso aprendizado da aleatoriedade, dos estressores, dos erros, o danificará. Devemos aprender a amar os erros — ou pelo menos uma certa classe deles — como veremos a seguir. A exposição aos erros nos tornará aptos a lidar com o desconhecido. Seremos capazes de fazer coisas, ainda que não a compreendamos perfeitamente. Isso não apenas nos fará crescer, mas nos ajudará a aceitar o papel necessário e fundamental dos erros para nossa história, individual e coletiva, seja na política, na ciência, no sistema evolutivo (sem pequenos erros não haveria variação genética) e, em especial, nos estudos. Perceba: evitar pequenos erros torna mais graves os grandes erros.
Rafael, eu percebi que você mencionou “certa classe de erros”. O que isso quer dizer?
É que na categoria das coisas frágeis, os erros costumam ser raros, mas grandes e irreversíveis. Enquanto no lado oposto, na categoria antifrágil, os erros são frequentes, porém pequenos e reversíveis, portanto, benignos porque são abundantes em preciosas informações.
Peguemos como exemplo o funcionamento das vacinas, que usam variações de um método desenvolvido desde 1798 por Edward Jenner. O corpo humano é exposto a pedaços de proteína do vírus, ou ao próprio vírus morto ou enfraquecido. Isso faz com que o organismo produza células defensoras (glóbulos brancos ou anticorpos) para combater o organismo invasor (vírus inoculado). Esse processo de aceleração precoce da geração de anticorpos, aliado a memorização das características do vírus nas nossas células, causa uma sobrecompensação de anticorpos no nosso organismo, o tornando apto a reagir prontamente quando em contato com o vírus em sua versão mais letal. Resumidamente: exposição precoce a um pequeno erro, sobrecompensação — afinal não apenas o corpo se preparou para um vírus enfraquecido, mas para uma versão mais potente — e por fim, imunidade, ou fortificação da capacidade defensiva.
Analogamente, assim também é com nosso aprendizado. Na medida em que nos expomos a exercícios, simulados, à variabilidade de assuntos e tipos de questões, somos igualmente expostos ao erro. E diferentemente do dia de um concurso, onde o erro é uma régua a separar os aprovados dos reprovados, os erros cometidos na preparação para o concurso ou prova final são bússola, ou fontes abundantes de informação de onde devemos e podemos melhorar. De forma surpreendente uma porção significativa de alunos comete o pecado mortal do estudante: não realiza simulados, exercícios, práticas ou provas anteriores suficientemente. E isso torna seus erros raros e irreversíveis (no dia D e na hora H: onde a prova é régua).
“Nossa maior fraqueza está em desistir. A maneira mais eficiente de bem-suceder é quase sempre tentar só mais uma vez”
- Thomas Edison
Se você quer crescer enquanto estudante, ou mesmo na vida em geral, lembre-se: a dor, o erro, e suas consequências, deveriam ser sinônimos de informação. Sabe o velho clichê de não se comparar com os outros? É um jogo de você. Você no presente comparado a uma versão de você do passado. É sobre fazer progressões guiado pela detecção e correção dos erros. É sobre focar no que está sob o seu controle. É sobre a importância do risco e o poder da persistência.
O tripé da educação é ensinar, aprender e AVALIAR.
Quer entender como aplicar a avaliação como ferramenta para o crescimento diante dos erros? Cole conosco.
Referências:
- Guia do Estrategista ENEM: Como estudar para ser aprovado no curso que você quiser! (Ricardo Scholz & Rafael Moraes)
- Mindset: A Nova Psicologia do Sucesso (Carol S. Dweck)
- The Little Book of Talent: 52 Tips for Improving Your Skills (Daniel Coyle)
- Antifrágil: Coisas que se Beneficiam com o Caos (Nassim Nicholas Taleb)