Vida de Pesquisador: Por que se envolver num projeto de pesquisa? E por onde começar?

Rafael Moraes
7 min readNov 30, 2021
“All that is gold does not glitter, Not all those who wander are lost” — Gandalf

Por que se envolver num projeto de pesquisa?

Pela minha experiência de ensino a maioria dos estudantes de ensino médio, ou mesmo os que chegam à uma universidade, jamais têm a oportunidade de participar de um projeto de pesquisa. Aliás, com a massificação das universidades, muitos estudantes permanecem perdidos durante quase a totalidade da vida acadêmica, quando ao final, precisam passar pela experiência — traumatizante em alguns casos — de produzir um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Então, vamos conversar um pouco sobre isso.

A paixão não vêm do mundo das ideias, vem da prática cotidiana e da experimentação. Por isso envolver-se com pesquisa é também uma oportunidade de enfrentar dificuldades, e a superação delas é quem irá alimentar nossa paixão por uma carreira que estamos descobrindo. Encarar um projeto de pesquisa pode ser a oportunidade de nos experimentarmos numa profissão — ou abordar um problema relacionado ao ramo específico de estudos no qual pretendemos nos formar — e pôr nossas habilidades à prova, principalmente para quem ainda não tem experiência na área de trabalho. E especialmente para quem se encontra perdido ou desgostoso com o curso, um projeto de pesquisa pode ajudá-lo a reencontrar sentido e satisfação nos estudos, na medida em que seus conhecimentos vão se tornando habilidades (aplicação de conhecimento orientada à solução de problemas).

Isso — por si — deveria bastar como uma boa razão para participar ou protagonizar um projeto de pesquisa. Mas serei enfático listando ainda outras quatro razões:

  1. Sistematizar maneiras de por ideias e dados em ordem.
  2. Aprender um novo método de trabalho (o científico), e consigo, a experiência daí advinda.
  3. Aprender conhecimentos e desenvolver ou aprimorar habilidades que nos sirvam, além de coisas — aparentemente — inúteis, e que nos serão úteis posteriormente — em geral de uma forma surpreendentemente improvável (¯\_(ツ)_/¯).
  4. Não se pode fazer um pesquisa em um assunto se as obras mais importantes forem escritas numa língua que não falamos. E isso é especialmente válido se você está numa área técnica e não domina a língua inglesa, ao menos ao ponto de ser suficientemente proficiente para conseguir entender o que está escrito, ainda que consultando eventualmente um dicionário. Mas ao invés de encarar isso como uma porta fechada, considere uma oportunidade de aprender uma língua estrangeira (os programas de pós-graduação exigem uma prova de proficiência como requisito para a entrada). Inglês não é sobre um novo idioma, inglês é sobre ser cidadão do mundo.

“A experiência de pesquisa imposta por uma tese serve sempre para nossa vida futura (profissional ou política, tanto faz), e não tanto pelo tema escolhido quanto pela preparação que isso impõe, pela escala de rigor, pela capacidade de organização do material que ela requer. […] Será a derradeira ocasião para obter conhecimentos históricos, teóricos e técnicos, e para aprender sistemas de documentação.”
Umberto Eco, em “Como se Faz uma Tese”

Como escolher o tema em 3 passos?

Agora que você já se convenceu a embarcar num projeto. Por onde começar? O primeiro passo de todo aspirante a pesquisador envolve a escolha de um tema, e por consequência a escolha de um orientador.

Passo 1:
Via de regra, a melhor forma de escolher um tema é consultar o que seus possíveis orientadores oferecem como linha de pesquisa. No nível superior as linhas de pesquisa costumam ser divulgadas no site oficial da instituição ou do departamento. Mas também é possível consultar a plataforma Lattes do seu pretenso orientador e ver em que área e temas ele costuma estar envolvido. E claro, você pode combinar as duas coisas (linhas de pesquisa disponíveis + lattes dos possíveis orientadores). Eu sei que a princípio é ruim estar limitado aos temas de interesse de uma outra pessoa, mas é necessário entender algo que o Bruno Cartaxo (http://brunocartaxo.com/) uma vez relatou no seu programa HiDev Podcast. Ele dizia que um pesquisador só está completamente formado — e portanto, com total independência para suas escolhas, o que inclui escolher livremente seus temas (grifo meu)— após a conclusão do doutorado. Que todo o caminho até esse título deve ser encarado como um longo processo de aprendizado.

“Pela sua própria falta de maturidade como pesquisador, melhor enxergar o mestrado/doutorado como um treinamento para virar um pesquisador. Depois que você “tira” o seu doutorado, aí sim vai começar produzir pesquisas de mais alto impacto.”
Bruno Cartaxo

Mas não encare isso como um problema. Se ninguém espera muito de nós, isso também quer dizer que se fizermos algo acima de média, isso será considerado um grande mérito. Se de uma forma estou condicionado a escolher um tema dentro do leque do meu orientador, por outro lado isso me disponibiliza alguém que sabe o caminho das pedras, que conhece a bibliografia principal do que estamos escrevendo, e que nos disponibiliza um excelente primeiro leitor crítico do nosso trabalho, para que quando ele venha a público, esteja num formato mais correto e maduro. E claro, se for um tipo de pesquisa que necessite de materiais ou uma infraestrutura específica, isso também estará garantido.

EU NÃO AMEAÇO, ACONSELHO CAUTELA

Você não está proibido de puxar um tema relevante para a sua área profissional ou que te desperte paixão e que não está entre os temas diretamente envolvidos com um possível orientador. Mas isso torna a sua vida mais difícil: é mais complicado para alguém aceitar a orientação, uma vez que o orientador precisa estar disposto a aprender sobre algo novo, a orientação ficará muito mais limitada, e vai exigir de você ainda mais conhecimentos e habilidades para lidar com o lado técnico sem tanto auxílio. A regra geral — e serve para quem está iniciando em qualquer carreira — é que a princípio não é sobre nós, mas sobre o quanto nós podemos agregar ao que os outros já estão fazendo. Com o tempo, maturidade e habilidades adquiridas, chegará a nossa hora de se emancipar em relação a esse aspecto. Enquanto isso, tente adaptar-se para encontrar algo interessante dentro do que já está sendo feito.

Passo 2:
Passado o primeiro filtro, onde você pré-selecionou possíveis orientadores de acordo com os temas de interesse deles, eu sugiro que você procure saber através de orientandos/ex-orientandos, alunos/ex-alunos à respeito da lisura, compromisso, temperamento, capacidade de gerenciamento e colaboração do professor. Caso o professor tenha escrito algum livro, procure lê-los ou ao menos iterar-se sobre eles. Esse tipo de contato indireto é uma excelente maneira de regular nossas expectativas e evitar relacionamentos conflituosos no futuro.

Passo 3:
Eu recomendaria por último que você procure o professor pessoalmente, seja por e-mail ou — de preferência — presencialmente. Mas não simplesmente o procure de mãos vazias e olhar aflito. Leia antes alguns de seus trabalhos, e se possível, os principais trabalhos citados nesses trabalhos (use o Google Acadêmico). Veja se consegue explicar a uma outra pessoa a questão de pesquisa e resultados alcançados nesses trabalhos. Após isso, reflita se você já possui alguma habilidade onde poderia contribuir para ajudá-lo a resolver um problema de pesquisa. Se tiver capacidade, esboce uma proposta e a leve por escrito. E claro, deixe evidente o seu entusiasmo, sua disposição para contribuir com seu tempo e cumprir prazos, três componentes fundamentais para o trabalho em equipe de qualquer natureza.

Antes de encerrar, ficam aqui algumas recomendações do que não fazer:

  • Evite um tema imposto, com o qual você não se sinta motivado a se envolver. Mesmo estando restrito as possibilidades que o orientador possa ter conhecimento e interesse em pesquisar, é quase sempre possível procurar o suficiente para se chegar a um acordo. O orientador irá preferir um orientando motivado e disposto, ao invés de alguém que simplesmente quer se livrar de uma responsabilidade.
  • Evite temas muito abrangentes. Prefira um escopo bem delimitado, para circunscrever uma questão específica, e garantir com razoável certeza de que você será capaz de finalizar a pesquisa dentro do prazo (6 meses — 1 ano, em geral).
  • Evite furar prazos. Uma situação que obrigue o orientador a ler as coisas de última hora. Isso irá obrigá-lo a lidar com uma “obra pronta”, algo que pode levar a consequências muito ruins na avaliação de uma banca examinadora. Se por um lado você não deseja ser submetido a prazos e temas desagradáveis, não obrigue o seu orientador a um prazo impossível, ou a ler um trabalho que ele ache necessário, porém impossível, de ser corrigido e melhorado.
  • Uma vez escolhidos o tema e orientador, evite a troca exceto se tiver uma necessidade bastante razoável para fazê-lo. Todos os temas possuem uma sofisticação própria e conflitos de relacionamento sempre existirão. Dependendo de quando a troca acontece você pode terminar com um prazo muito apertado. O ego é o maior dos nossos inimigos, lembre-se que estamos aprendendo a ser pesquisadores e que todo orientador tem algo a nos ensinar. Transforme possíveis obstáculos em capacidade de gerenciar conflitos e prazos, testar sua criatividade e adaptabilidade, etc. Evite a todo custo um clima de animosidade. Tenha sempre em mente que mais importante do que o amor é a gentileza. Quando tudo estiver encerrado restará uma rede de relacionamento profissional.

Referências:

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